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Vidas cruzadas 

 

Por Marseille Marés Nachreiner 

 

Há certos tipos de filme que não se preocupam apenas em mostrar o herói ou o vilão da história. Esses filmes proporcionam uma visão global das relações humanas e, no universo construído pelo roteirista, emergem diferentes tipos de personagens com variadas questões éticas e linhas narrativas paralelas, fazendo com que essas vidas se cruzem ou não.

Esses filmes de enredos múltiplos são chamados de multi-plot, nos quais cada drama particular é inserido numa realidade maior e relacionado com outros à sua volta. Ao assistir um filme multi-plot, a princípio o espectador é vítima da desorientação produzida pela entrada e saída de inúmeros personagens e tem sua atenção mobilizada para memorizar e entender as tramas. Essa é a principal estratégia narrativa deste formato: dar a impressão de espaços incomunicáveis, cujas regras internas sejam refeitas a cada corte.

Conforme a atenção vai se deprimindo entre os lapsos, entretanto, vem a seu socorro um conjunto de recursos narrativos capazes de sincronizar todas as linhas de ação e, ao final, reconduzir o espectador a um sentido de linearidade multipolar ao invés de simplesmente deixá-lo cego em meio a uma nuvem de conflitos divergentes e aleatórios. O filme multi-plot torna-se, portanto, bem mais complexo que um filme com um roteiro linear. Há a necessidade de trabalhar com muitos personagens, bem como inúmeras passagens de tempo (flash backs), fazendo com que cada detalhe seja único. 

O gênero data do clássico Intolerância (1916), de D.W. Griffith, em que quatro narrativas com um mesmo tema em diferentes períodos históricos, -dos tempos bíblicos ao período contemporâneo –, proporcionam uma visão global das relações humanas e constróem um pequeno universo do qual emergem facilmente questões éticas e metafísicas. Para o cinéfilo e radialista Tiomkim Oswald Filho, apresentador do programa Cinemaskope, “Intolerância é uma obra prima”.

           

Short Cuts (1993) dirigido por Robert Altman é também considerado uma obra-prima para Tiomkim. « Short Cuts consegue pelo mérito do roteiro transmitir a humanidade dos personagens que são pessoas de carne e osso, ainda que um tanto desfiguradas, e nos desperta o interesse por seus dramas, cuja variedade é tamanha que todo mundo encontra algo para se identificar », comenta. No filme, pessoas comuns agem vergonhosamente: um grupo de amigos descobre um cadáver no rio onde passariam uns dias pescando, mas nem por isso interrompem o programa, e avisam as autoridades só depois de terminada a diversão; um homem possesso pela ira destrói a casa da ex-mulher, o adultério é a norma e provoca ciúmes doentios ou, o que é pior, a indiferença.

 

Filme Intolerância

 

Filme Short Cuts

 

Já Magnólia (1999), dirigido por Paul Thomas Anderson, frisa a necessidade que o homem tem de se conectar com outro, indo além das convenções sociais, das conversas vazias, do orgulho e das mentiras sobre si mesmo. O policial honesto e a jovem viciada se apaixonam; o menino prodígio quer ser visto como ser humano, não brinquedo. Pai e filho, afastados há muito tempo, buscam a reconciliação. Todos procuram conectar-se de uma forma real e curar as feridas passadas.

O multi-plot é uma forma narrativa, portanto não tem um gênero, um conteúdo pré-definido. Porém o gênero que mais se destaca é o drama, isto é, as histórias de relacionamentos conturbados, de tragédias humanas, de remorsos e arrependimentos profundos.

Prova disso é que, ao ser escolhido um plano de fundo, tudo é trabalhado em cima dele, todo o desenrolar dessas tantas histórias que se completam, não importa a época. Em 1964 o clássico A Nau dos Insensatos, dirigido por Stanley Kramer, se passa dentro de um navio interligando todos os personagens. Já em 2014, o plano de fundo dos personagens de Homens, Mulheres e Filhos é a internet. 

           

Magnolia

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